sábado, 11 de junho de 2011

O ferido do caminho


Por Saulinho Farias

“E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás.

Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo.

Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e procede tu de igual modo".
Lucas 10.25-37

Jesus conta a parábola do bom samaritano a um certo religioso, defensor dos ritos e normas judaicas, um homem cheio de justiça própria. Fala da necessidade de amar a Deus sobre tudo e amar o próximo como a si mesmo para enfim, alcançar a vida eterna.

O texto diz que ele querendo justificar-se, pergunta: Mas, quem é o meu próximo? Quem é esse semelhante que devo amar como a mim mesmo? Certamente ele tinha em mente os seus pares do círculo íntimo de intérpretes da lei. Queria na verdade, com essa pergunta, justificar sua falta de amor por alguns tipos de pessoas.

Será que, como igreja, estamos nos justificando da mesma maneira? Costumamos justificar nossa falta de amor como aquele homem?

Creio que o Senhor deseja nos advertir por meio dessa parábola, da mesma maneira que fez àquele homem, para que não venhamos cair em uma terrível presunção legalista, aparentemente fundamentada, que tente justificar a nossa falta de amor pelas pessoas.

Jesus conta uma história de um homem que descia de Jerusalém para Jericó. Existiam duas estradas de Jerusalém para Jericó. O caminho mais longo era via Belém. Em compensação era o caminho mais seguro. A estrada mais curta tinha 27 km, descia um total de 1.040 metros e era conhecida como “Caminho Sanguinário” por causa da alta incidência de crimes que horríveis que aconteciam ali. Os que usavam esse caminho geralmente estavam com pressa de chegar a seu destino. Foi justamente nesse caminho que se encontrava aquele homem quando, de repente, foi atacado por bandidos que tiraram seus pertences, seu dinheiro e se não bastasse, espancaram-no e o deixaram ferido, quase morto, caído à beira da estrada.

Se você não está, certamente já esteve na mesma situação. Não sei se você experimentou essa dura realidade literalmente, mas muito provavelmente consegue fazer uma analogia dessa parábola a uma experiência que você já vivenciou ou está vivenciando. Se não for esse seu caso, certamente conhece alguém que está nessa situação.

Sendo ou não o seu caso, quero nesse momento fazer uma viagem com você ao coração dos feridos. Coloque-se comigo no lugar daqueles que estão caídos. Preparado? Vamos lá!

Você pegou uma via perigosa e viu-se em lugares tenebrosos. Descendo de Jerusalém (Cidade da paz) para Jericó (Lua, mutabilidade). O inimigo se aproveitou do fato de você estar descendo da região da paz e te assaltou violentamente. Você estava sozinho e ele o golpeou sem misericórdia. O golpe foi duro, não foi?

Tal golpe pode ter acontecido de várias maneiras. Alguns podem ter te privado de coisas valiosas que você possuía. Você pode ter sido traído ou enganado por alguém em que confiava. Pode estar sendo humilhando ou estar sofrendo em sua alma com feridas feitas por alguém que você ama muito. Pessoas íntimas não pouparam palavras duras e atacaram sua dignidade. Seja lá o que tenha acontecido o fato é que você se vê tão caído e sem forças para levantar.

De onde você está caído clama a Deus para que apareça qualquer pessoa que tenha coragem de olhar nos teus olhos e se identificar com o teu sofrimento e mais que isso, que te ajude a levantar. O desespero e o medo fazem parte desse lugar deserto e em alguns momentos tomam teu coração. Você se desespera com o peso da solidão em um lugar tão hostil. Sente-se desprotegido e vulnerável. O medo de ser ferido novamente ficou como uma marca sobre você.

Então você ouve passos. Alguém aparece em teu caminho. Um misto de medo e esperança deixa tua alma em estado de expectativa. Com seus olhos cansados você vislumbra um homem se aproximando com a Bíblia na mão. “Ah! Graças a Deus!” – Você pensa – “Um sacerdote. Um homem de Deus”.

Vamos agora viajar do coração do homem caído para a mente do sacerdote que se aproxima.

Uma vida de corre-corre. Seminários a participar, congressos a realizar; leituras, estudos a preparar, livros a escrever, reuniões com lideranças, gente importante, encontro disso, encontro daquilo; grupo cá, grupo lá, enfim; são tantas coisas interessantes que uma pessoa tão distinta como ele tem a fazer que... sabe... não tem tempo para coisas menores. Ele está com pressa, seu tempo vale ouro, é alguém importante. Um sacerdote.

De repente uma visão incômoda. Alguém está caído à beira da estrada. Ele pensa: “Ih! Esse homem provavelmente fez alguma coisa errada ou tenha se juntado com gente ruim. Ele provavelmente colheu o que plantou. Olha só isso! Todo ferido e machucado. Os bandidos que fizeram isso com esse homem devem estar por aqui por perto. Eu vou é sair logo daqui. Eu ein! Que lugar esquisito. Tenho mais o que fazer e cuidar desse homem vai me atrasar. Isso só pode ser um pacote do diabo. É até arriscado ficar bobeando por aqui”.

Voltando ao coração do ferido.

Quanta dor. Não falo necessariamente da dor física, mas a dor da rejeição, da indiferença, da falta de tato e de sensibilidade. A dor causada pela falta de amor. “Como alguém que fala de Deus pode me deixar assim?” Você pensa. Seus olhos cansados vislumbram o sacerdote, que pode ser um líder da igreja, ou um amigo, um desconhecido ou até mesmo seu cônjuge. Quando te vê, foge. Passa de largo; ignora; evita problemas. Você é um problema. Sua alma ferida chora.

Mas espere. Está vindo outra pessoa. Certamente essa é diferente. “Será que essa pessoa vai atentar em mim?” Você pensa. “Será que ele vai ouvir meu gemido e me tirar desse lugar?”. Que sorte ein? Hoje é seu dia! Lá vem um levita.

Vamos à mente do levita.

Ele pensa: “Meu Deus! Um homem está caído. Que situação! Ainda bem que isso não aconteceu com um de minha família. Que horror. Quantas feridas expostas. Mas eu não sou enfermeiro ou médico. Cada um no seu lugar, esse ministério não é meu. Deus tenha piedade desse”. E mais uma vez, outro passa de largo.

Devemos ter cuidado, pois atitudes como a do sacerdote e do levita podem estar sendo repetidas por nós nos dias de hoje. Costumamos justificar nossa falta de amor de diversas maneiras:
• “Fulano não é responsabilidade minha” – Podendo sim, oferecer ajuda.
• “Estou sem condições de te ouvir agora, liga outra hora”. – tendo tempo e condições de ouvir.
•“O que eu já tinha de falar pra você eu já falei”. – Não oferecendo mais uma palavra de amor e encorajamento.
•“Estou cansado. Trabalhei o dia todo” – negando um minuto de atenção.
•“Ela está assim porque merece. Que colha as conseqüências do seus erros” – Não oferecendo graça e misericórdia.
•“Ah! Mas eu cumprimento Beltrano todos os dias” – sem um real interesse pelo outro. Sendo superficial e mecânico.
•“Ai ai. Lá vem Cicrano! Esse cara é só problema. Vou me esconder para ele não me ver” – sem comentários.

Certa vez ouvi de um pastor: “As pessoas notam quando não são amadas. E não adianta disfarçar. Elas sabem”. E por que sabem? Simples: não fazemos diferença em suas vidas. Somos superficiais, mecânicos, indiferentes, formais. Não estamos interessados em fazer o que Paulo fazia: “Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol da vossa alma” (2 Co 12.15). Fazemos as contas e diferenciamos pessoas de pessoas como alvo de amor. As pessoas mais saudáveis, as mais ricas, as mais bonitas, as mais influentes... enfim, as que podem nos oferecer algo em troca. Somos mesquinhos.

As pessoas doentes, as problemáticas, as pecadoras, as caídas pelo caminho, as feridas, aquelas que exigem um tempo longo, uma dedicação maior, as que exigem renuncia e esforço de compreensão da nossa parte, são postas de lado, mas não pelo Senhor Jesus, que diz: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores” (Mc 2.7). Jesus está caminhando onde nem imaginamos. Ele está interessado em pessoas dais quais eu e você talvez jamais nos aproximaríamos.
Voltemos ao aflito homem caído à beira da estrada.

Como se não bastasse ser privado de seus bens (ou de outros tesouros, como família, amigos, saúde, bênçãos em geral), você foi ferido violentamente (não consideraram o ser humano, bateram sem piedade, apontaram, julgaram sem misericórdia, atacaram e não deram espaço pra defesa ou proteção). Caído, sem movimentos, sem forças (ou desanimado, angustiado, deprimido) você não esperava que coisas piores poderiam acontecer: o terror da indiferença e da insensibilidade, ser tratado como uma erva daninha à beira da estrada por quem você esperaria ser amado e protegido, por quem leva o nome de Deus consigo.

Muitas pessoas estão morrendo por dentro de tão feridas que estão. E o mais assustador é que isso pode estar acontecendo silenciosamente bem ao nosso lado, sem que nos demos conta. Talvez estejamos com dificuldades de enxergar quem é o nosso próximo. Será que você está em dívida de amor com alguém? Quem é a primeira pessoa que te vem a mente? Não! Não pense que isso é apenas coisa de sua mente. Provavelmente tua consciência tem recebido um sinal do Espírito. Não se justifique! Não justifique sua falta de amor.

Existem outros tesouros pouco comentados nas escrituras. Um certo homem cometeu um erro que causou tristeza à igreja de Corinto. Ele foi corretamente punido. Mas o problema é que tal punição já estava passando dos limites. Perceba o tom do apóstolo Paulo quando escreve à igreja advertindo sobre a maneira como estavam tratando aquele irmão arrependido e sobre o risco que eles corriam de perdê-lo. Vou transcrever o texto de 2 Corintios 2.5-9

Mas, se alguém fez com que alguma pessoa ficasse triste, não fez isso a mim, mas sim a vocês ou, pelo menos, a alguns de vocês. Escrevo assim para não ser muito duro com esse homem. Basta o castigo que a maioria já deu a ele. Agora vocês devem perdoá-lo e animá-lo para que ele não fique tão triste, que acabe caindo no desespero. Por isso peço que façam com que ele tenha a certeza de que vocês o amam. E foi por isso também que escrevi aquela carta. Eu queria pôr vocês à prova e saber se estão sempre prontos a obedecer aos meus ensinos”. NTLH

Alguns queridos irmãos podem estar tão desanimados e amargurados que acabam caindo no desespero, ou como diz a versão revista e atualizada do verso 7: “para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza”. Pense um pouco nisso: A pessoa sendo consumida por tristeza em excesso (depressão); e isso por falta de misericórdia e consolação por parte dos irmãos. Isso não pode acontecer na família de Deus, por isso Paulo implora àquela igreja para que confirmassem para com ele o amor. Pede para que eles o fizessem acreditar, pelas atitudes de proteção, aceitação e carinho, no amor que eles tinham. É triste constatar que algumas pessoas podem ter desanimado por nossa ausência de amor. É triste ver que a grande maioria de desviados da igreja são pessoas feridas pela própria igreja.

Muitas igrejas estão perdendo os irmãos e seus líderes costumam justificar-se dizendo que todos eles saíram por insubmissão, rebeldia, falta de maturidade, etc. Mas às vezes tais líderes são os próprios culpados dessa evasão de vidas, pois batiam sem misericórdia nas fraquezas dos irmãos, até que os fragilizados irmãos, à beira da exaustão na alma, desanimaram dessa comunhão. “Até quando todos vocês atacarão um homem que é mais fraco do que uma cerca derrubada?” Salmo 62.3

Já desfalecendo, abalado pela desesperança, você (o homem caído) vê mais um homem vindo em sua direção. Mas para sua surpresa, esse é diferente. Ele não é judeu (ou evangélico). Ele não congrega com você. Ele é um samaritano.

Eu fico imaginando como o interprete da lei que estava ouvindo Jesus contar essa parábola se sentiu ao ouvir a palavra “samaritano” saindo da boca de Jesus. Ele deve ter ficado com uma dor no canto da espinha diante de um exemplo de amor tão grandioso vindo de alguém tão desprezível. Certamente foi um ataque frontal do Senhor Jesus ao orgulho daquele homem. Os samaritanos conheciam o significado de rejeição e preconceito. Eles eram tidos como ‘cães’ pela estirpe judeu-farisaica. Eram mestiços. Desacreditados. Uma classe inferior aos olhos de muitos. Sério? Mesmo? Jesus falou ‘samaritano’?

Sim! Um samaritano. Só alguém que já sofreu muita rejeição pode compreender o estado de um ferido. Só alguém que apanhou na pele compreende intensamente a dor alheia. Jesus, portanto, é o nosso Grande Samaritano. Ele sofreu o que sofreu para poder compreender o nosso estado e nos resgatar da lama em que nos encontrávamos.

Na história, o samaritano “viu o homem, ficou com muita pena dele. Então chegou perto dele, limpou os seus ferimentos com azeite e vinho e em seguida os enfaixou. Depois disso, o samaritano colocou-o no seu próprio animal e o levou para uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, entregou duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo: – Tome conta dele. Quando eu passar por aqui na volta, pagarei o que você gastar a mais com ele”. NTLH

Ele se compadeceu. Mas não apenas isso, ele agiu.
Ele chegou perto. Ele rompeu com a indiferença dos outros e se aproximou. Ele não quis saber as razões. Ele chegou perto. Ele não ficou preocupado com os seus interesses, com sua agenda, não. Ele chegou perto. Deixou o que tinha a fazer prá lá. Nada é mais prioritário para um coração compassivo do que encontrar um ferido no caminho.

Ao se aproximar, o samaritano fala ao seu ouvido: “Ei amigo! Sei que está doendo. Sei que está difícil. Mas pode ficar tranqüilo. Você não está mais sozinho. Vou te ajudar a sair dessa situação. Não saio daqui sem você”.
Limpou os ferimentos com vinho e azeite. Vinho e azeite eram levados pelos viajantes como cicatrizantes em algum caso de urgência. O vinho servia para limpar a ferida. Seu teor alcoólico trazia ardência, mas ao mesmo tempo purificava. O azeite era colocado em seguida, como anestésico, ao mesmo tempo em que protegia a ferida. Logo depois, ele cobriu a ferida. Não a deixou exposta. Enfaixou-a. Eis um rico símbolo da ação do Espírito. É dessa maneira que os feridos devem ser tratados na vida da igreja.

Vinho simboliza correção, disciplina, tirar o que está fazendo mal àquela pessoa. E isso traz um certo incômodo, mas deve ser um breve incômodo, pois imediatamente vem o azeite com suas propriedades anestesiantes e protetoras. Símbolo riquíssimo de aceitação, proteção, cobertura espiritual e defesa. Além disso, cobrir a ferida é muito importante. Símbolo de sigilo, respeito à dor alheia, guardar o coração e os sentimentos do ferido.

Infelizmente, é muito comum deixarmos feridas abertas na igreja, e certamente isso não é bom para a saúde espiritual do corpo. Quantos têm a sua ferida, aquilo que os deixa vulnerável, situações traumáticas e pecados confessados sendo expostos tranquilamente por pessoas que deveriam enfaixar o que os causa dor? Seus males vindo a tona na memória e nas palavras dos irmãos. Deus não faz isso conosco. Ele faz questão de lançar nossos pecados no mar do esquecimento. Cobre nossa vergonha, como fez a Adão e Eva. Quem faz o contrário são os homens.

O mundo perdido e caído carece desesperadamente de homens de Deus como esse simples samaritano. Mas não apenas o mundo. Por incrível que pareça muitos na igreja também estão feridos; alguns até caídos, esperando que apareça algum irmão da estirpe desse distinto homem da parábola. Você está disposto a ser um?

3 comentários:

  1. Mozinho estou aqui lendo seu blog... rs! E benção do Senhor!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Estou sim disposta a ser uma benção na vida de irmãos, tratando de suas feridas de uma forma que o Senhor me direcionar... Concordo mt com o que vc escreveu, apesar de que existem casos e casos onde aquele que esta ferido esconde o seu problema, não externando a sua necessidade, sendo assim fica difícil uma aproximação e um cuidado/atenção... Acho que alguém que esta doente primeiro precisa entender que esta doente e que precisa ser tratado (e nem sempre o tratamento é agradável, as vezes o remédio é amargo, as vezes doi, as vezes a anestesia nem pega, mas pela necessidade da cura temos que sentir aquela dor) mas qts não reconhecem isso!! Entre outros casos... Mas façamos a nossa parte assim como o Senhor nos direcionar!! Vc é mt precioso Saulinho!!
    PS: Keka Lins

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