terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ele te entende

Por Saulinho Farias

“Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; ...”. Hb 4.15

“Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados”. Hb 2.17-18

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; Que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus”. 2 Co 1.3-4

Na semana passada fui convidado a ministrar a Palavra em um retiro próximo à minha cidade. Assim que acabei de ministrar, meu amigo Ricardo deu continuidade com uma palavra abençoadora. No meio da mensagem algo inusitado aconteceu: um homem trajando roupas imundas e com um forte odor de alcool entrou no ambiente de reuniões. Na verdade, esse homem era um ator convidado pelo Ricardo. O objetivo era observar as reações da igreja e promover um ensino diferenciado.

Quando esse homem entrou no ambiente, os dois jovens que me acompanhavam naquele momento, ao verem o rapaz se aproximando do ambiente e sendo “barrado” de entrar (figuradamente) por um irmão, se levantaram imediatamente e correram na direção do homem. Eles “compraram briga” pelo rapaz, colocaram-se ao seu lado de maneira intrépida, defendendo-o de qualquer exclusão. Olharam firmemente nos olhos do homem e, com palavras firmes e determinação incontida, exalaram graça e amor ao personagem. O ator relatou mais tarde que pensava se tratar de outros dois atores que estavam improvisando, mas ao mirar nos olhos deles naquela hora, pensou: “Isso não pode ser atuação, Isso é verdade. Esses jovens realmente acham que eu sou um mendigo alcoólatra”. O próprio ator não se conteve, começou a chorar de verdade. A reunião prosseguiu com os dois ao seu lado, sem saber que era um ator, orando e chorando por ele o tempo todo.

Enquanto estavam ali, eu sabia da verdade e fiquei meditando: O que os motivou a romperem com a inércia e estravazarem em compaixão com aquele homem? Eu sabia o que era: Os dois sabiam a intensidade da dor causada pela rejeição social. O volume exato das acusações e palavras de desprezo. O estrago das desilusões e a frustração com a própria vida. A escravidão na alma pela dependência química. Os dois já tinham vivenciado coisas parecidas e ao imaginar que alguém tão próximo estaria passando por uma situação de vida tão desesperadora, eles não poderiam se conter. Seriam negligentes para com a própria história.

Como entender o que sente uma pessoa faminta se eu nunca passei um dia sem comer? Eu posso ler sobre a fome, ir para seminários e congressos sobre a fome, discursar sobre a fome, mas responda-me: saberei o que é fome? Não!

Certa vez, em um retíro individual, fiz um jejum de cinco dias. Nos três primeiros dias nada comi ou bebi, no quarto e no quinto dia, comi e bebi pouco, apenas à noite. O que aprendi nesses dias? Entre outras coisas, aprendi como se sente alguém que tem fome. Naquele período de oração o Senhor me direcionou a interceder pelos que vivem nos países mais pobres do mundo, onde grãos são lançados às multidões esqueléticas, ávidas por um pouco de cereal, rastejando pela areia catando grãos como aves, implorando aos céus por mais um dia de vida, ou até mesmo pela morte.

Como entender o sofrimento de outros negamos a realidade à nossa volta, com uma uma busca ansiosa por um estilo de vida de sorrisos, confortos, entretenimentos, saúde, prosperidade, super-espiritualidade? Temos pavor de pensar em sofrer e o pior, justificamos o nosso procedimento complacente com jargões religiosos ou versículos mal colocados. Muitos não querem se aproximar de pessoas tristes e sofredoras pois tal sofrimento produz um grande incômodo. Evitam esse incômodo com superficialidade. Não querem se envolver pois ficam confusas, não sabem o que fazer. Como saberão se não se identificam com o sofrimento alheio? Se não se interessam em romper com sua zona de conforto e sujar seus pés nos pântanos do padecimento alheio? Por isso, existe algo de muito precioso que Deus quer nos ensinar em nosso próprio sofrimento.

Por um período relativamente longo, passei por momentos complicadíssimos. Só Deus sabe mensurar as angústias que vivi por meses a fio, as noites de choro e depressão, as palavras frias de alguns, a indiferença de outros, as minhas próprias lembranças dolorosas, a solidão, o terrível e gélido desânimo, a falta de apetite, as minhas fraquezas visíveis a todos e a própria ausencia de defesa e compaixão (identificação com o sofrimento) por um tempo considerável. Posso ver que Deus utilizou-se de tudo o que vivi para formar em mim seu caráter compassivo e profundamente gracioso. Se estivermos em Cristo precisamos acreditar firmemente: tudo coopera com o nosso próprio bem. Iremos achar verdadeiros terouros em nosso deserto.

Encontrei em Cristo um amigo surpeendente. Um amigo que me entendia perfeitamente, não indiferente, não distante, mas profundamente atento, daqueles que olham nos olhos. Em algumas madrugadas eu nem sabia como orar, nem sabia como produzir palavras que externassem o que sentia, mas apenas estava ali chorando, e Ele comigo, bem presente. Em um desses momentos escrevi uma nova canção “Meu Consolo” - “...da margem (extremidade) do universo, algo te chama atenção, uma lágrima que cai de alguém que sofre só... Ah! Na verdade eu não estou só, se todos me deixaram me aceitas em teus braços. Jesus, meu consolo, o lugar para onde corro, sou amado por você, isso é tudo o que eu preciso compreender”.

Outro tesouro descoberto no meu deserto foi uma percepção mais elevada do que sentem nossos companheiros de peregrinação nas terras da angústia e nos vales do desesespero. Hoje vejo os peregrinos aflitos, cansados, desanimados ou até deprimidos com outros olhos. Sinto uma vontade enorme de estar perto de pessoas assim. Não para julgar ou criticar, não para ser superficial, mas apenas para estar perto, dizendo: “Ele te entende! Ele já passou por isso! Entre outras coisas, Ele sofreu para consolar e dar esperança à todos àqueles que sofrem. E mais, conte comigo também”.

Saiba de uma coisa: Quanto maior a miséria, o pecado, a dor, a frustração, a desilusão, o sofrimento, o choro, o vício, enfim... maior será a abundancia de graça, o amor dispensado, o perdão, a cura, a restauração, a libertação, e muito maior será o ministério da consolação. Deus vai te usar poderosamente para comprir o ministério de Cristo de: “...consolar todos os que choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo SENHOR para a sua glória”. Is 61.2-3