sábado, 25 de junho de 2011

Consolação ou vinho e fel?

Por Saulinho Farias
“E chegando a um lugar chamado Golgota, que significa Lugar da Caveira, deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele, provando-o, não o quis beber”. Mateus 27.33-34

O Golgota era um lugar macabro fora de Jerusalém.
Jesus já tinha sofrido terrivelmente nas mãos dos soldados romanos, estava profundamente exausto, sofrendo dores de todo tipo no corpo e na alma, tinha caído diversas vezes no caminho até aquele lugar e precisou ser ajudado no trajeto com a sua cruz.
A crucificação era uma condenação terrível. O condenado ficava pendurado durante horas sofrendo dores insuportáveis, morrendo lentamente de hemorragia, desidratação, insolação e falência cardíaca.
Os soldados romanos em um gesto mínimo de misericórdia costumavam dar aos criminosos uma bebida anestésica conhecida na época, vinho e fel. Para quem estava diante de tanta dor e desespero, até que essa bebida era muito bem vinda.
Os soldados romanos certamente ficaram impressionados em muitos aspectos com Jesus Cristo; eis mais um: Ele rejeitou a bebida anestésica. Como pode alguém não querer algo que alivie a sua dor? Como pode alguém querer se manter lúcido e consciente até o fim tendo a opção de “apagar” diante de tanta vergonha e humilhação?
Certamente, como bem refletiu Augusto Cury: “Até a última batida do seu coração, o Mestre da Vida estava plenamente consciente do mundo à sua volta. Sofria muito, mas permanecia inabalável. Os soldados se prepararam para contê-lo, como a todo crucificado, mas não foi preciso. O Mestre não ofereceu resistência. Nunca foi tão fácil crucificar um homem. Os homens poderiam tirar-lhe tudo, até a roupa, mas não lhe arrancariam a consciência”.
Surge aqui uma mensagem a todos os usuários de drogas, sejam elas quais forem. A farmacodependência constitui-se uma das muitas fugas do homem moderno para tentar aplacar as angústias da existência. Nosso amado Senhor não optou pela negação do sofrimento. Não fez de conta que não estava vivenciando aquilo. Não quis viajar em sua consciência para tentar aplacar a dor de sua alma. Mas sofreu até o fim, sem negar, sem fugir, conscientemente.
Estive refletindo muito nesses assuntos. Essa postura do Senhor naquele dia sombrio nos ensina em nossos dias sombrios. Não adianta querer fugir da realidade. A negação da situação é o mesmo que mentir para nós mesmos. Não nos faz bem. É melhor chorar consciente da realidade do que tentar negá-la com anestésicos, soníferos, bebidas, ou diversões, agenda cheia, muito trabalho, etc.
Muitas pessoas estão diante do sofrimento, vivenciando angústias na alma, tomando sua cruz no “Golgota” da vida. Tenho observado que nós podemos proporcionar ajuda de duas maneiras: existe um tipo de anestésico que podemos apresentar, o vinho e fel “espiritual” e podemos oferecer consolo. Qual a diferença?
O vinho e fel “espiritual” aparentemente está adocicado de fundamento:
·         “Por que ser tão imaturo e confuso? Não adianta chorar!”
·          “Eu não agüento mais ver você assim! Levante a cabeça pois o cristão não pode estar triste, deve sorrir, e dizer: Vai tudo bem!”
·         “Ansiedade e depressão não é coisa de crente, pare com isso!”
Os irmãos que oferecem vinho e fel aos que estão nos vales da vida muitas vezes estão com boas intenções, mas existe um problema: são impacientes. Eles querem evitar a todo custo os problemas. Como diz o Larry Crabb, uma “comunidade de consertadores”, que encontram solução pra tudo, formulas “perfeitas” para todos os problemas.
Para mim, fica notável que misturado ao vinho e fel “espiritual” está a impaciência. Não toleramos a vulnerabilidade alheia. Preferimos apresentar soluções para serem aplicadas rapidamente, não porque queremos primeiramente o bem do próximo, mas porque a situação problemática do próximo nos causa um incômodo inconveniente, e desejamos nos livrar desse incômodo o quanto antes. Oferecemos solução, mas não ajuda. Dizemos o que aquela pessoa precisa fazer, mas não dispomos nossos braços em auxílio. Não estamos dispostos a simplesmente nos colocar ao lado e chorar junto, pelo tempo que for preciso.
“Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados de alimento cotidiano, (enfim: uma necessidade que se apresenta) e qualquer dentre vós lhes disser:Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?”. Tg 2.15-16
A segunda opção é a consolação de amor.
Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento”. Filipenses 2.1-2
O cristão que oferece consolo só pode estar cheio do Espírito, o Consolador. Não se trata de querer consertar tudo, tendo sempre a última palavra sobre o que fazer ou deixar de fazer. Não se trata disso! Se trata de manifestar o amor de Deus através do companheirismo.
“Pois é, amigo, sei que estás sofrendo. Sei que está doendo. Eu nem sei o que dizer direito nem o que fazer por você, mas saiba que eu não quero te deixar aqui sozinho, quero chorar contigo, quero que sejamos unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Sinta-se tranqüilo para dividir sua dor comigo. Não se trata de diminuir tua cruz, mas posso oferecer meus ombros, vou te ajudar a levá-la”.
Isso é consolo. 

Um comentário: